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PREVENIR O SUICÍDIO: UM GUIA PARA PROFISSIONAIS DA MÍDIA
Organização Mundial de Saúde
Genebra 2000
A mídia possui um papel importante na sociedade contemporânea fornecendo uma vasta gama de informações de formas diversas. Influenciam fortemente as atitudes, crenças e comportamentos nas comunidades, e têm um papel importante na prática política, econômica e social. Devido a esta influência, a mídia pode também possuir um importante papel na prevenção do suicídio.
O suicídio é talvez a forma mais trágica de terminar com a vida. A maioria das pessoas que pensa no suicídio é ambígua. Elas não têm a certeza de que querem morrer. Um dos muitos fatores que podem levar um indivíduo vulnerável ao suicídio pode ser a publicidade sobre suicídios na mídia. A forma como a mídia apresenta as notícias de casos de suicídio podem influenciar outros suicídios.
Estes guias procuram destacar o impacto das notícias da mídia no suicídio, indicar fontes de informação confiável, sugerir como fazer a notícia do suicídio tanto nas circunstâncias gerais como específicas e apontar os perigos a serem evitados quando da elaboração da notícia sobre o suicídio.
O IMPACTO DAS NOTÍCIAS DA MÍDIA NO SUICÍDIO
Uma das mais recentes e conhecidas associações entre a mídia e o suicídio nasceu do romance de Goethe Die Leiden des jungen Werther (O Jovem Werther), publicado em 1774. Nesta obra o herói mata-se com um tiro após uma malfadada paixão, e pouco depois da sua publicação muitos foram os casos de jovens que usaram o mesmo método para cometer o suicídio. Isto resultou na proibição do livro em determinados locais (1). Daí o termo Efeito Werther, utilizado na literatura técnica para designar os suicídios imitativos.
Outros estudos sobre o papel da mídia no suicídio incluem uma análise que remonta ao século XIX nos Estados Unidos da América (2). Outro caso famoso recente refere-se ao livro Final Exit (A Última Saída) de Derek Humphry: após a publicação deste livro, houve um aumento nos suicídios em Nova York usando os métodos descritos (3). A publicação de uma tradução intitulada Suicide, mode d'emploi em França levou também a um aumento no número de suicídios (4). De acordo com Philips e colegas (5), o grau de publicidade dado a uma história de suicídio está diretamente correlacionado com o número de suicídios subseqüentes. Casos de suicídios envolvendo celebridades, tiveram um impacto bastante forte (6).
A televisão também influencia os comportamentos suicidários. Philips (7) demonstrou um aumento no suicídio até 10 dias após notícias televisivas de casos de suicídio. Tal como na imprensa escrita, histórias altamente expostas que aparecem em múltiplos programas em diversos canais parecem apresentar um maior impacto ainda mais se envolvem celebridades. Contudo, existem estudos contraditórios sobre o impacto de programas de ficção: alguns mostram não haver efeito, enquanto outros provocam um aumento dos comportamentos suicidas (8).
A associação entre peças de teatro ou música e os comportamentos suicidários foi até hoje pouco investigada e permanecem apenas como casos isolados.
Mais recentemente, a Internet introduziu um novo número de problemas. Existem sites que ajudam a pessoa fornecendo planos suicidas e outros que tentam prevenir os suicídios. Até agora, nenhum estudo sistemático analisou o seu impacto no suicídio.
Em suma, existem suficientes evidências para sugerir que algumas formas de coberturas televisivas e jornalísticas não ficcionais de suicídios estão associadas com um aumento significativamente excessivo do suicídio; o impacto parece ser maior entre os jovens. Todavia, a maioria dos suicídios não é noticiada na mídia; quando a decisão é tomada de informar o público acerca do suicídio, geralmente envolve uma pessoa em particular, método ou local. O suicídio constitui sempre uma notícia valiosa e a mídia tem o direito de os noticiar mais. Contudo, os suicídios que atraem a atenção da mídia são aqueles que saem fora dos padrões usuais. De fato, é impressionante como os casos reportados pela mídia são quase invariavelmente atípicos e raros, e para os representar como típicos perpetuam-se futuras más informações acerca do suicídio. Os profissionais da saúde e pesquisadores reconhecem que não são as coberturas noticiosas per si, mas certos tipos de coberturas noticiosas, que aumentam os comportamentos suicidas em populações vulneráveis. De modo contrário, certos tipos de coberturas poderão ajudar a prevenir a imitação dos comportamentos suicidários. Todavia, existe sempre a possibilidade de que a publicidade acerca do suicídio possa fazer parecer a idéia do suicídio como normal. A cobertura repetitiva e contínua do suicídio tende a induzir e promover as preocupações suicidárias, particularmente entre os adolescentes e jovens adultos.
Noticiar acerca do suicídio de uma forma apropriada, cuidadosa e potencialmente útil pela mídia esclarecida, poderá prevenir trágicas perdas de vida por suicídio.
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FONTES DE INFORMAÇÃO CONFIÁVEIS
As informações confiáveis sobre a mortalidade por meio do suicídio podem ser obtidas por meio de um certo número de entidades mundiais. O banco de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) possui dados desde 1950, por idade e sexo. Outras entidades que podem fornecer informações são a Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), Instituto de Investigação Inter-regional do Crime e Justiça (UNICRI), Fundação do Desenvolvimento para as Mulheres das Nações Unidas (UNIFEM), Rede de Epidemiologia Clínica Internacional (INCLEN), Sociedade Internacional para a Prevenção do Abuso e Negligência das Crianças (ISPCAN), INTERPOL, Centro Estatístico das Comunidades Européias (EUROSTAT) e o Banco Mundial.
Também fornecem informações um número de entidades governamentais e associações nacionais e organizações voluntárias: o Centro Nacional Sueco para a Investigação e Prevenção do Suicídio, o Bureau Australiano de Estatística e os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA são alguns dos exemplos.
A Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) http://www.who.int/ina-ngo/ngo/ngo027.htm, a Associação Americana de Suicidologia (AAS)http://www.suicidology.org/ , a Rede Australiana de Intervenção Precoce para a Saúde Mental nos Jovens http://www.auseinet.flinders.edu.au/ e a Academia Internacional para a Investigação do Suicídio (IASR) http://www.uni-wuerzburg.de/IASR/ possuem os seus próprios sites que podem ser consultados para obter informações. Os dados disponíveis mais recentes de mortalidade do suicídio destas entidades normalmente referem-se ao p eríodo entre 18-36 meses passados, dependendo do país em questão.
O número de suicídios é usualmente subestimado. O grau da subestimação varia de país para país, dependendo essencialmente da forma como os suicídios são certificados. Outras razões para a subestimação do suicídio incluem o estigma, fatores sociais e políticos, e regulamentações dos seguros, o que significa que certos suicídios podem ser divulgados sobre o disfarce de acidentes ou morte por causa indeterminada. Pensa-se que o grau de subestimação dos suicídios está entre 20-25% nos idosos e 6-12% nos outros. Não existem registros mundiais oficiais de comportamentos suicidas não fatais (tentativas de suicídio), essencialmente porque em média apenas cerca de 25% dos que tentam, necessitam ou procuram intervenção médica. A maioria das tentativas de suicídio, por isto, não são divulgadas e registradas.
Precauções no uso dos dados sobre suicídio
São freqüentemente feitas comparações sobre dados de suicídio de diferentes países, mas deve ter-se em mente que os procedimentos de registro de mortalidade variam imensamente entre países, e isto afeta seriamente qualquer comparabilidade direta.
As taxas de suicídio são usualmente expressas como sendo o número de mortes pelas vias do suicídio por 100.000 habitantes. Se as taxas reportadas se referem a populações de pequeno número (por exemplo cidades, províncias ou mesmo pequenos países), a sua interpretação requer um cuidado extra, uma vez que um pequeno número de mortes pode alterar todo o quadro. Para populações inferiores a 250.000, usam-se geralmente os números brutos. Algumas taxas poderão ser referidas segundo faixa etária padronizada. Isto poderá excluir os suicídios abaixo dos 15 anos devido aos baixos valores, mas em muitos países existe um aumento alarmante neste grupo etário.
COMO NOTICIAR O SUICÍDIO EM GERAL
Aspectos específicos que devem ser abordados quando se faz uma notícia sobre o suicídio incluem o seguinte:
· As estatísticas devem ser interpretadas cuidadosa e corretamente;
· Devem usar-se fontes confiáveis e autênticas;
· Os comentários devem ser feitos com cuidado apesar das pressões de tempo;
· As generalizações baseadas em pequenas imagens requerem uma atenção particular, e expressões como epidemia do suicídio ou o local com a maior taxa de suicídio do mundo devem ser evitadas;
· Referir-se aos comportamentos suicidas como uma resposta compreensível às alterações sociais ou culturais ou degradação devem ser evitadas.
COMO NOTICIAR UM SUICÍDIO ESPECÍFICO
Os seguintes pontos devem estar sempre em mente:
· A cobertura sensacionalista de suicídios deve ser evitada a todo o custo, particularmente quando está envolvida uma celebridade. A cobertura deve ser minimizada tanto quanto possível. Qualquer problema de saúde mental que a celebridade possa possuir deve também ser citada. Devem envidar-se todos os esforços para evitar os exageros. Devem evitar-se as fotografias do falecido, do método usado e da cena do suicídio. Os títulos de primeira página nunca são os locais ideais para notícias de suicídios.
· Devem ser evitados os detalhes dos métodos utilizados e de como foram produzidos. As pesquisas mostram que a cobertura dos suicídios pela mídia possui uma maior influência no método de suicídio adotado do que na freqüência dos suicídios. Certos locais pontes, penhascos, prédios altos, linhas de trem, etc. estão tradicionalmente associados ao suicídio e um aumento da publicidade faz aumentar o risco de mais gente os poder usar.
· O suicídio não dever ser noticiado como inexplicável ou de uma forma simplista. O suicídio não é nunca o resultado de um só fator ou acontecimento. É normalmente causado por uma complexa interação de muitos fatores, tais como doença mental ou física, abuso de substâncias, distúrbios familiares, conflitos interpessoais e pressões da vida. Reconhecer que uma grande variedade de fatores contribui para o suicídio poderá ser útil.
· O suicídio não deve ser descrito como um método de enfrentar os problemas pessoais tais como a falência, não passar num exame, ou abuso sexual.
· As notícias devem ter em conta o impacto do suicídio nas famílias e nos outros sobreviventes em termos do sofrimento psicológico e do estigma.
· Glorificar as vítimas de suicídio como mártires e objetos de aplauso poderão sugerir a pessoas suscetíveis que a sua sociedade honra o comportamento suicida. Em vez disto, a ênfase deverá centrar-se no luto da morte da pessoa.
· Descrever as conseqüências físicas das tentativas de suicídio não fatais (danos cerebrais, paralisias, etc.) poderá agir como um fator desencorajante.
FORNECER INFORMAÇÕES SOBRE AJUDA DISPONÍVEL
A mídia pode ter um papel ativo na prevenção do suicídio, publicando a seguinte informação juntamente com a notícia do suicídio:
· Apresentando uma listagem dos serviços de saúde mental disponíveis e linhas telefônicas de ajuda, juntamente com os números de telefone e endereço atualizados:
· Publicando os sinais de aviso dos comportamentos suicidas;
· Transmitindo a mensagem de que a depressão está geralmente associada ao comportamento suicida e de que a depressão é uma doença tratável;
· Enviando uma mensagem de simpatia aos sobreviventes nas suas horas de dor e fornecendo os números de telefone de grupos de suporte a sobreviventes, se disponíveis. Isto fará aumentar a probabilidade de intervenção dos profissionais de saúde mental, amigos e família nas crises suicidárias.
RESUMO DO QUE FAZER E DO QUE NÃO FAZER
O QUE FAZER
· Trabalhar em conjunto com as autoridades de saúde quando da apresentação dos fatos.
· Referir-se ao suicídio como consumado e não como bem sucedido.
· Apresentar apenas os dados relevantes, nas páginas interiores.
· Realçar as alternativas ao suicídio.
· Fornecer informações sobre formas de ajuda e recursos gratuitos disponíveis.
· Publicar indicadores de risco e sinais de aviso.
O QUE NÃO FAZER
· Não publicar fotografias ou bilhetes, cartas de suicídio.
· Não noticiar detalhes específicos do método usado.
· Não apresentar razões simplistas.
· Não glorificar ou sensacionalizar o suicídio.
· Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
· Não dividir a culpa.
NOTAS
1. Imitação constitui o processo pelo qual um suicídio exerce um efeito modelador em suicídios subseqüentes. Grupos constituem um número de suicídios que ocorrem em proximidade temporal ou geográfica, com ou sem qualquer ligação direta. Contágio é o processo pelo qual um determinado suicídio facilita a ocorrência de um futuro suicídio, indiferentemente do direto ou indireto conhecimento do suicídio precedente. Volta
REFERÊNCIAS
1. Schmidtke A, Schaller S. What do we do about media effects on imitation of suicidal behaviour. In: De Leo D, Schmidtke A, Schaller S, eds. Suicide prevention: a holistic approach. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers, 1998: 121-137. Volta
2. Motto J. Suicide and suggestibility. American journal of psychiatry, 1967, 124: 252-256. Volta
3. Mazurk PM et al. Increase of suicide by asphyxiation in New York City after the
publication of Final Exit. New England journal of medicine, 1993, 329: 1508-1510. Volta
4. Soubrier, J.-P. La prévention du suicide estelle encore possible depuis la publication autorisée d'un livre intitulé: Suicide Mode d'Emploi - Histoire, Techniques, Actualités. [Is suicide prevention still possible after the authorized publication of a book entitled Suicide: How to do it - History, techniques, news] Bulletin de l'Académie Nationale de Médecine, 1984, 168: 40-46. Volta
5. Philips DP, Lesnya K, Paight DJ. Suicide and media. In: Maris RW, Berman AL, Maltsberger JT, eds. Assessment and prediction of suicide. New York, Guilford, 1992: 499-519. Volta
6. Wasserman D. Imitation and suicide: a re-examination of the Werther effect. American sociological review, 1984, 49: 427-436. Volta
7. Philips DP. The impact of fictional television stories on US adult fatalities: new evidence on the effect of the mass media on violence. American journal of sociology, 1982, 87: 1340-1359. Volta
8. Hawton K et al. Effects of a drug overdose in a television drama on presentations to hospital for self-poisoning: time series and questionnaire study. British medical journal, 1999, 318: 972-977. Volta
PREFÁCIO
O suicídio é um fenômeno complexo que tem atraído ao longo dos séculos a atenção de filósofos, teólogos, médicos, sociólogos e artistas; de acordo com o filósofo francês Albert Camus, em O Mito de Sísifo, é na verdade o único problema filosófico sério.
Como problema sério de saúde pública que é, exige a nossa atenção, mas a sua prevenção e controle, infelizmente, não são uma tarefa fácil. As mais recentes e inovadoras investigações indicam que a prevenção do suicídio, embora exeqüível, envolve uma série de atividades, que variam desde a provisão das melhores condições
possíveis para criar as nossas crianças e jovens, através de um tratamento eficaz dos distúrbios mentais, através do controle dos fatores de risco ambientais.
Em 1999 a OMS lançou o SUPRE, a sua iniciativa mundial para a prevenção do suicídio. Esta brochura é uma de uma série de guias preparados como parte do SUPRE e dirigido a grupos sociais e profissionais específicos particularmente relevantes na prevenção do suicídio. Representa um elo numa longa e diversificada cadeia envolvendo uma vasta gama de pessoas e grupos, incluindo profissionais de saúde, educadores, organismos sociais, governos, legisladores, comunicadores sociais, forças armadas, famílias e comunidades.
Estamos particularmente em dívida para com o Professor Diego de Leo, Universidade de Ggriffith, Brisbane, Queensland, Austrália, que produziram uma versão anterior desta brochura. O texto foi subseqüentemente revisto pelos seguintes membros da Rede Internacional para a Prevenção do Suicídio da OMS, com quem somos gratos:
Dr. Sergio Pérez Barrero, Hospital de Bayamo, Gramma, Cuba;
Dr.ª Annette Beautrais, Escola de Medicina de Christchurch, Christchurch, Nova Zelândia;
Dr. Ahmed Okasha, Universidade de Ain Shams, Cairo, Egito;
Professor Lourens Schlebusch, Universidade de Natal, Durban, África do Sul;
Professor Jean-Pierre Soubrier, Group Hospitalier Cochin, Paris, França;
Dr. Airi Värnik, Universidade de Tartu, Tallin, Estônia;
Professora Danuta Wasserman, Centro Nacional para a Investigação e Controle do Suicídio, Estocolmo, Suécia;
Dr. Shtao Zhai, Nanjing Medical University Brain Hospital, Nanjing, China.
Os nossos agradecimentos vão também para o Dr. Lakshmi Vijayakumar, SNEHA, Chennai, Índia, pela sua assistência na edição técnica das anteriores versões destes guias.
Os guias estão sendo já vastamente disseminados, na esperança que sejam traduzidos e adaptados às condições locais um pré-requisito para a sua eficácia. Comentários e pedidos de permissão para a sua tradução e adaptação serão bem vindos.
Dr. J. M. Bertolote
Distúrbios Mentais e Comportamentais
Departamento de Saúde Mental
Organização Mundial de Saúde
CRÉDITOS
Este é um dos documentos de uma série de guias dirigidos a grupos sociais e profissionais específicos particularmente relevantes na prevenção do suicídio. Foi preparado como parte do SUPRE, a iniciativa mundial da O.M.S. para a prevenção do suicídio
Palavras chave: suicídio; prevenção; guias; mídia; profissionais da mídia.
Tradução para Português: Proença, Mário R.P.
Adaptação para o português brasileiro: Souza, Abel Sidney.
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