Página Principal

Textos diversos

Notas da imprensa

Publicações (teses, livros, artigos)

Eventos sobre o tema

Outras páginas sobre o tema

Instituições de Prevenção e Estudos

Contato

Contato

 

 

Suicídio - conhecer para prevenir



Assuntos Melindrosos

O modo como os 'media' tratam matérias mais sensíveis (agressões passionais, suicídios) pode provocar reacções de mimetismo. É um problema que reclama especiais cuidados. Se há, e haverá, casos em que as notícias não podem deixar de ser dadas, o mais importante está nos termos em que se dão - e como se apresentam.

Lidar com certo tipo de notícias, sobretudo em jornais onde a preocupação ética e o sentido de responsabilidade social vão além de meros chavões propagandísticos, pode ser um grande problema. Há matérias eventualmente noticiáveis cujo manuseio envolve enorme melindre, seja porque é duvidoso o seu interesse público, seja porque podem interferir com a privacidade de cidadãos, seja porque não acautelam a dignidade das pessoas, seja... porque podem provocar efeitos negativos.

É esta última circunstância que gostaria de abordar hoje: como proceder quando se admite, ou receia, que certa notícia possa ter consequências nefastas, designadamente provocando reacções de imitação?

O assunto tem sido, por estes dias, objecto de múltiplos debates no interior da Redacção do PÚBLICO (onde se mantém o salutar hábito de criticar o próprio jornal sem papas na língua, por vezes com divergências e polémicas, mas decerto com vontade de fazer sempre melhor). O motivo próximo veio das recentes agressões com ácido sulfúrico, registadas no Centro do país, tendo-se levantado a dúvida sobre se as notícias da primeira agressão terão, de algum modo, contribuído para que outras se sucedessem em curto espaço de tempo, numa espécie de mimetismo. E que fazer, agora, sobre o assunto? Ficar por aqui? Esquecer? Aprofundar o tema?...

A isto somou-se o simpósio organizado há dias pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia, cujo tema era 'Suicídio e Comunicação Social' - tendo-se falado bastante, como seria expectável, da influência que certas abordagens informativas podem ter no comportamento dos leitores/ espectadores, em especial os mais jovens ou os mais fragilizados. Por dramática coincidência, faleceu esta semana, presumivelmente por suicídio, uma pessoa muito conhecida do mundo do espectáculo (Cândida Branca Flor) - sendo curioso notar como o assunto foi tão diversamente tratado nos nossos 'media', desde a pequena notícia discreta em página interior até à manchete de letras garrafais na primeira página...

À liça vieram, entretanto, opiniões importantes de psiquiatras e psicólogos, que merecem a nossa atenção. Não é que haja obrigatoriamente 'conflito de interesses' (como sugeriu Carlos Brás Saraiva) entre o que os jornais 'gostam' de fazer com estes casos trágicos e o que os psiquiatras consideram mais recomendável para os prevenir: há jornais e jornais, as generalizações arriscam-se a ser redutoras, injustas e pouco produtivas. Mas que pode ser utilíssimo, como defendeu o mesmo médico (de par com Daniel Sampaio), um diálogo sistemático e uma entreajuda destas duas comunidades profissionais com um grande impacto social, disso não há dúvidas.

Devem os jornais noticiar estes casos - sejam as agressões com ácido, sejam os suicídios? Mais importante ainda: a noticiar (como parece incontornável quando estão em causa figuras públicas ou quando os acontecimentos contêm ingredientes de ineditismo ou de surpresa que suscitam natural interesse dos leitores), devem fazê-lo em que termos? Finalmente: se, como parece plausível, algumas destas notícias se arriscam a criar indesejáveis fenómenos de imitação, que fazer, no trabalho jornalístico, para os contrariar?

O director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes, afirma ser 'muito difícil estabelecer uma regra rígida' nestas questões. Cada situação, entende, deve ser analisada à luz de três critérios básicos: (1) a 'projecção pública' que o caso tem em si, ou que acaba por adquirir, (2) a sua 'relevância' como 'sintoma social' merecedor de alguma reflexão, e (3) aquilo que ele nos permite dizer sem ultrapassar 'limites de bom gosto', 'sem ferir sensibilidades' e 'sem explorar o lado mais mórbido' que tais casos frequentemente comportam.

À luz destes critérios, o director do PÚBLICO admite que se pode chegar a três opções: ou pura e simplesmente não se dá a notícia, ou se faz um texto factual 'com grande discrição', ou se aposta num 'trabalho de enquadramento mais vasto'. Seja como for, não só aquilo que se diz mas o modo como se apresenta (como se titula, como e onde se pagina, como se ilustra - enfim, como se edita) requer sempre 'muita atenção'.

Coisas semelhantes a estas foram ditas no simpósio organizado pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia, de acordo com os relatos saídos na imprensa. Por exemplo, a sugestão de que a comunicação social não se fique por 'uma versão sensacionalista da história', mas que recorde também os serviços de apoio e prevenção; que sejam publicados só os dados relevantes, e de modo discreto; que se tenha em devida conta o sofrimento dos familiares envolvidos; que não se abordem os suicídios de um jeito que quase os torne aventuras emocionantes ou os suicidas quase heróis; que haja uma colaboração mais próximo, nestes casos problemáticos, entre os especialistas de saúde mental e os jornalistas.

O problema maior, como alertou Daniel Sampaio (que reconhece haver hoje 'um maior cuidado' no tratamento noticioso dos suicídios), não está tanto em dar ou não dar as notícias, mas em 'como' as dar.

Que há um potencial 'efeito imitativo', há. Mas não se resolve silenciando todas as notícias sobre todas estas matérias. É impossível e dificilmente defensável. Só que esse efeito pode ser minimizado se o tratamento jornalístico respeitar proporções adequadas - e, sobretudo, em jornais mais dados à informação aprofundada do que ao 'fait-divers', se conduzir a uma abordagem de aspectos que passam pela prevenção e por uma consciência social mais clara do que está em causa, bem como pelo modo como pessoas mais fragilizadas ou seus familiares devem lidar com certos sinais. Pelo contrário, pode ser maximizado se a partir dele se fizerem manchetes sensacionalistas, se se remexer nos detalhes mórbidos da história, se se expuser desnecessariamente quem está a viver uma dor, se se 'glorificar' quem, no fundo, não teve força ou ajuda para resistir. Infelizmente, é muito isto que faz alguma da comunicação social que temos.

Salvo melhor opinião, o PÚBLICO tem seguido com razoável cuidado (mesmo com dúvidas e muito debate...) a doutrina de que aqui se dá conta. É esse também o entendimento dos leitores? Seria interessante saber. Se me permitem, acrescentava até um desafio concreto: imaginem-se editores do jornal. Vendo cair em cima da secretária uma informação sobre um rapaz que algures desfigurou a namorada com ácido sulfúrico, que é que faziam? Davam a notícia ou não? Em que termos? E como procediam se, na semana seguinte, lhes surgisse um caso idêntico, em tudo parecendo uma imitação provocada pela notícia do primeiro?...

Em síntese

Precaução - O modo como se noticia um suicídio pode maximizar ou minimizar o seu 'efeito imitativo'

Colaboração - Jornalistas e técnicos de saúde mental devem trabalhar em conjunto sobre estes temas

Joaquim Fidalgo
Fonte: Jornal Público - Portugal - 15/07/2001
http://www.publico.pt/nos/provedor/textos-fidalgo/prov20010715.html

Notas da imprensa  |  Página Principal