Suicídio por contágio e relatos de suicídio: recomendações do Seminário Nacional realizado em 22 de abril de 1994
Os seguintes integrantes do CDC (Centro para Controle de Doença e Prevenção) prepararam este documento:
Patrick W. O'Carroll, M.D., M.P.H.
Lloyd B. Potter, Ph.D., M.P.H.
Sumário
Em novembro de 1989, participaram de uma conferência nacional, suicidologistas, profissionais de saúde pública, pesquisadores, psiquiatras, psicólogos e profissionais dos meios de comunicação. Nesta conferência discutiu-se sobre as preocupações de âmbito geral e se traçou recomendações específicas para a redução da possibilidade do suicídio por contágio, decorrentes de relatos da imprensa.
Estas recomendações, que são endossadas pelo CDC, é um esboço das questões gerais que os especialistas, profissionais da saúde e da mídia devem considerar ao relatar sobre o suicídio. Inclui-se nestas recomendações uma descrição dos aspectos das coberturas jornalísticas que podem promover o contágio do suicídio. Descreve, também, os meios pelos quais os esforços da comunidade em encaminhar a solução deste problema podem fortalecer-se, por meio de tipos específicos de cobertura das notícias.
Introdução
A taxa de suicídios entre adolescentes e jovens adultos tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas de 1950 a 1990 a taxa de suicídio de pessoas entre 15 e 24 anos aumentou de 4,5 para 13,5 para 100.000 habitantes (1,2). Em comparação com as pessoas idosas, os adolescentes e jovens adultos que cometem suicídio estão menos suscetíveis de estarem clinicamente deprimidos ou de ter outros distúrbios mentais (3), que são importantes fatores de risco para o suicídio entre pessoas de todas as faixas etárias (4). Isto conduziu a pesquisa, direcionada à identificação de outros fatores de risco passíveis de prevenção de suicídio entre pessoas jovens.
Um fator de risco que despontou nesta pesquisa é o suicídio por contágio, um processo pelo qual a exposição do suicida ou do ato suicida, de uma ou mais pessoas, influencia outras a cometerem ou tentarem cometer o suicídio (5). Evidências sugerem que o efeito do contágio não está restrito a suicídios que ocorrem em uma área geográfica delimitada. Em particular, as reportagens realistas e a cobertura televisiva do suicídio têm sido associadas com um aumento de suicídios estatisticamente significante (6). O efeito contágio parece ser mais forte entre adolescentes (7,8), e principalmente em grupos mais expostos à mídia, como já foi constatado. (9-11).
Estas constatações têm levado muitos especialistas em prevenção do suicídio, profissionais da saúde pública e pesquisadores a lutarem para restringir ao mínimo os relatos sobre o suicídio especialmente o suicídio de jovens em revistas, jornais e televisão. Tais esforços não obtêm muitas vezes sucesso e novas reportagens têm sido escritas sem levar em conta a importante contribuição destes especialistas. Em novembro de 1989, a Associação Nacional de Profissionais da Saúde e o Departamento de Saúde de Nova Jersey, realizaram uma oficina, na qual suicidólogos, profissionais de saúde pública, pesquisadores, psiquiatras e psicólogos trabalharam diretamente com profissionais da imprensa de todo o país. O objetivo era compartilhar as preocupações e perspectivas deste problema e buscar meios para que o suicídio, especialmente o suicídio entre pessoas entre 15 e 24 anos, pudesse ser noticiado com o mínimo de potencial para o contágio suicida. Buscava-se também assegurar a integridade profissional e a independência destes profissionais da mídia. As preocupações gerais sobre o tema e as recomendações para se reduzir a possibilidade de contágio suicida por meio da mídia foram levantadas nesta oficina. O perfil, as características dos relatos que parecem promover o contágio suicida foram descritas. Este relatório resume estas considerações, recomendações e características e fornece exemplos hipotéticos de reportagens que têm alto ou baixo potencial para causar o contágio do suicídio. (Veja o apêndice).
Considerações e recomendações gerais
As seguintes considerações e recomendações devem ser analisadas e compreendidas pelos profissionais da saúde, suicidólogos, funcionários públicos e demais profissionais que fornecem informações para relatos de suicídio:
O suicídio é freqüentemente uma notícia considerada quente, e será provavelmente objeto de reportagens. A missão das empresas de comunicação é levar ao público informações sobre acontecimentos ocorridos na comunidade. Se o suicídio é considerado uma notícia relevante, ele será noticiado. Profissionais da saúde devem ter noção de que não é produtivo concentrar esforços em impedir as coberturas jornalísticas. O mais acertado é orientar os profissionais da mídia em seu trabalho de produzir reportagens com graus satisfatórios de precisão e responsabilidade.
"Nenhum comentário a fazer" não é uma resposta satisfatória aos profissionais da mídia que estão cobrindo um caso de suicídio. A recusa no contato com a mídia não impede reportagens sobre o suicídio; até certo ponto, isto elimina a oportunidade de influenciar no conteúdo da notícia que será veiculada. Contudo, os funcionários que lidam com as informações sobre o suicídio não devem sentir-se obrigados a dar uma resposta imediata às perguntas difíceis. Eles devem, ao contrário, ser preparados para marcar horários adequados para dar tais respostas ou ainda ser capazes de indicar aos jornalistas alguém que possa responder às questões.
Todos devem compreender que existe uma base científica no que se refere à cobertura das notícias sobre o suicídio e a sua contribuição para a ocorrência deste. O esforço das pessoas em tentar minimizar o contágio do suicídio é facilmente mal interpretado. Profissionais da saúde precisam dispor de tempo para esclarecer sobre as bases científicas solidamente firmadas no que diz respeito ao contágio suicida e como o potencial deste contágio pode ser reduzido por meio de reportagens sérias.
Algumas características das reportagens sobre o suicídio podem contribuir para o contágio, e outras características podem ajudar a preveni-lo. Médicos e pesquisadores reconhecem que não são as notícias sobre o suicídio, por si só, que promovem o contágio, mas certos tipos de abordagens. As pessoas envolvidas com a prevenção do contágio suicida devem estar cientes que determinadas características das reportagens, mais do que as reportagens em si, devem ser evitadas.
Os profissionais de saúde ou outros funcionários públicos não devem tentar dizer aos repórteres o que abordar ou como escrever a notícia a respeito do suicídio. Se os mecanismos naturais ou aparentes do contágio suicida são compreendidos, é provável que os meios de comunicação apresentem a notícia de modo a minimizar a probabilidade do referido contágio. Ao invés de ditar o que deve ser relatado, o funcionário deve explicar o potencial de contágio suicida associado a determinados tipos de notícias, sugerindo meios de minimizar o risco do contágio (veja o apêndice).
Aspectos das reportagens que podem promover o contágio suicida
Os médicos, os investigadores e outros profissionais de saúde concordaram, durante a oficina, que para minimizar a probabilidade do contágio do suicídio, as reportagens devem ser concisas e factuais. Embora a pesquisa científica nesta área não esteja completa, os participantes da oficina acreditaram que a probabilidade do contágio do suicídio pode ser aumentada pelas seguintes ações:
- Apresentação simplista de comentários sobre o suicídio. O suicídio nunca é resultado de um simples fator ou evento, mas ao contrário, resulta de uma complexa interação de muitos fatores e freqüentemente envolve uma história de problemas de natureza psicossocial (12). Os responsáveis pela divulgação do fato devem explicar cuidadosamente que o acontecimento que precipitou o ato não foi a única causa do referido suicídio. A maioria de pessoas que cometeram o suicídio teve um histórico de problemas que não puderam ser detectados durante a fase do desfecho do ato suicida. Listar os problemas que possam ter um papel determinante no ato do suicídio não é necessário, mas o reconhecimento destes problemas é recomendado.
- Incluir repetitivos, freqüentes, ou exagerados relatos do suicídio nas reportagens. Tais procedimentos tendem a promover e manter a preocupação com o suicídio entre pessoas do grupo de risco, especialmente na faixa etária de 15 a 24 anos de idade. Esta preocupação parece estar associada ao suicídio por contágio. Informações apresentadas à imprensa devem incluir a associação entre tal cobertura e o potencial para o contágio do suicídio. Os responsáveis pela saúde pública e pelos meios de comunicação devem discutir abordagens alternativas para a cobertura de histórias de suicídio com interesse jornalístico.
- Fazer cobertura sensacionalista sobre o suicídio. Por sua natureza, notícias de um evento suicida tende a levantar a preocupação do público em geral sobre o tema. Acredita-se também que esta reação é associada com o contágio e a criação de grupos suscetíveis ao suicídio.. Funcionários públicos podem ajudar a minimizar o sensacionalismo limitando, sempre que possível, detalhes mórbidos nos relatos fornecidos ao público. Profissionais de mídia deveriam tentar amenizar qualquer destaque ao se relatar a notícia e evitar o uso de fotografias dramáticas relacionadas ao suicídio (por exemplo, fotografias do funeral, o quarto da pessoa falecida e o local do evento).
- Informar o "como fazer" com descrições detalhadas do suicídio. Detalhes técnicos descrevendo o método de suicídio são indesejáveis. Por exemplo, informar que uma pessoa morreu envenenada por monóxido de carbono pode não ser prejudicial; porém, ao se dar detalhes do mecanismo e dos procedimentos utilizados para o suicídio pode-se facilitar a imitação do comportamento suicida por outras pessoas suscetíveis.
- Apresentar o suicídio como um meio para se atingir certos fins. O suicídio normalmente é um ato pouco convencional, praticado por uma pessoa deprimida. A apresentação do suicídio como meio de resolver problemas pessoais (por exemplo, a separação afetiva ou a vingança contra a disciplina dos pais) pode aumentar o risco dos mecanismos de imitação de pessoas suscetíveis. Embora alguns fatores pareçam freqüentemente ativar um ato suicida, quase sempre há outros problemas psicopatológicos relacionados. Se o suicídio é apresentado como um meio eficiente para se atingir fins específicos, isto pode ser percebido por uma pessoa com potencial suicida como uma solução atraente.
- Glorificar o suicídio ou as pessoas que se suicidam. As reportagens sobre o suicídio contribuem menos para o contágio quando se minimiza a apresentação das comoções causadas pelo evento (por exemplo, elogios públicos, bandeiras hasteadas, memoriais permanentes em local público). Tais ações podem contribuir para o contágio do suicídio sugerindo a pessoas suscetíveis que a sociedade está exaltando o comportamento suicida da pessoa falecida, ao invés de lamentar a morte da pessoa.
- Destacar as características positivas daquele que se suicidou. A simpatia demonstrada aos familiares e amigos levam com freqüência a se destacar os aspectos positivos de sua vida. Os amigos ou professor, por exemplo, afirmam que a pessoa falecida "era uma grande pessoa" ou "teria um futuro promissor", evitando mencionar as dificuldades e problemas que a pessoa falecida vivenciou. Como resultado, as reportagens freqüentemente veneram a pessoa falecida. Porém, se os problemas desta pessoa não são reconhecidos face aos elogios dirigidos a ela, o comportamento suicida pode parecer atraente a outras pessoas suscetíveis - especialmente se estas raramente recebem reforço positivo para comportamentos desejáveis.
Conclusão
Além de reconhecer os tipos de cobertura de notícias que pode promover contágio de suicídio, os participantes de seminário concordaram que a informação a respeito do suicídio pode gerar alguns benefícios diretos. Especificamente, os esforços da comunidade para tratar deste problema podem ser fortalecidos por cobertura de notícias que descreve a ajuda e o apoio disponível em uma comunidade; pode ser explicado como identificar as pessoas com alto risco suicida, ou pode ser apresentadas informações sobre fatores de risco de suicídio. O diálogo permanente entre profissionais de mídia, de saúde e outros funcionários públicos é a chave para facilitar o acesso a estas informações.
Referências
1. National Center for Health Statistics. Health, United States, 1991. Hyattsville, MD: US Department of Health and Human Services, Public Health Service, CDC, 1992.
2. National Center for Health Statistics. Mortality data tapes {machine-readable data tapes}. Hyattsville, MD: US Department of Health and Human Services, Public Health Service, CDC, 1993.
3. Shaffer D, Garland A, Gould M, Fisher P, Trautman P. Preventing teenage suicide: a critical review. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1988;27:675-87.
4. O'Carroll PW. Suicide. In: Last JM, Wallace RB, eds. Maxcy-Rosenau-Last public health and preventive medicine. 13th ed. Norwalk, CT: Appleton & Lange, 1992:1054-62.
5. Davidson LE, Gould MS. Contagion as a risk factor for youth suicide. In: Alcohol, Drug Abuse, and Mental Health Administration. Report of the Secretary's Task Force on Youth Suicide. Vol 2. Risk factors for youth suicide. Washington, DC: US Department of Health and Human Services, Public Health Service, 1989:88-109; DHHS publication no. (ADM)89-1622.
6. Gould MS, Davidson L. Suicide contagion among adolescents. In: Stiffman AR, Felman RA, eds. Advances in adolescent mental health. Vol III. Depression and suicide. Greenwich, CT: JAI Press, 1988.
7. Gould MS, Wallenstein S, Kleinman MH, O'Carroll PW, Mercy JA. Suicide clusters: an examination of age-specific effects. Am J Public Health 1990;80:211-2.
8. Phillips DP, Carstensen LL. The effect of suicide stories on various demographic groups, 1968-1985. Suicide Life Threat Behav 1988;18:100-14.
9. CDC. Cluster of suicides and suicide attempts -- New Jersey. MMWR 1988;37:213-6.
10. CDC. Adolescent suicide and suicide attempts -- Santa Fe County, New Mexico, January 1985-May 1990. MMWR 1991;40:329-31.
11. Davidson LE, Rosenberg ML, Mercy JA, Franklin J, Simmons JT. An epidemiologic study of risk factors in two teenage suicide clusters. JAMA 1989;262:2687-92.
12. O'Carroll PW. Suicide causation: pies, paths, and pointless polemics. Suicide Life Threat Behav 1993;23:27-36.
Apêndice
Exemplos de relatórios de notícias hipotéticas com potencial alto e baixo para promoção do contágio suicida
Reportagem com alto potencial de promoção do contágio suicida
Nesta segunda-feira, centenas de pessoas estiveram presentes no funeral de João Oliveira Junior, 15 anos, que nesta última sexta-feira deu um tiro na cabeça com o rifle que o pai utiliza em suas caçadas. O prefeito, sr. Cordeiro, junto com o Senador Carneiro e o presidente da Gamevideo, além de outras pessoas de destaque, ofereceram suas condolências a Maria e João Oliveira, os pais aflitos do estudante da escola de ensino médio da cidade. Embora ninguém consiga informar com precisão os motivos do suicídio de Junior, colegas seus, que não quiserem ser citados, afirmaram que ele e sua namorada, Jane, também estudante na mesma escola, tinham se desentendido. Junior era também conhecido com um exímio jogador de videogame. A escola decretou luto e dispensou os alunos, providenciando transporte para aqueles que desejassem ir ao funeral de Junior. Os funcionários da escola afirmaram que praticamente todos os 1200 alunos estiveram presentes no evento. Uma bandeira foi hasteada em sua homenagem. Integrantes do grêmio estudantil e os diretores da Gamevideo planejam erguer um memorial comemorativo em frente à escola. Seus amigos pretendem também plantar uma árvore na praça do centro da cidade, durante uma cerimônia a ocorrer no domingo próximo, às duas horas da tarde.
John nasceu em Vila Nova e mudou-se para esta cidade há 10 anos, com os pais e a irmã Ana. Ele era praticante de esportes e competia em natação pela escola. Gostava de colecionar gibis. Participava ativamente de um grupo de jovens, embora não tenha comparecido às reuniões nos últimos meses.
Reportagem alternativa com baixo potencial para a promoção do contágio suicida
João Oliveira Junior, 15 anos, de Restinga, morreu na última sexta-feira, atingido por um tiro, desferido por ele próprio. Junior é filho de João Oliveira e Maria. Era estudante do ensino médio, na escola secundária da cidade.
Junior nasceu em Vila Nova e morou em Resplendor até mudar-se para Restinga há 10 anos. O funeral dele foi realizado no domingo. Orientadores educacionais estão à disposição de qualquer estudante que deseje falar sobre a morte dele. Além dos pais dele, Junior tinha uma irmã chamada Ana.
* Os nomes de pessoas e lugares nestes exemplos são fictícios e não se relacionam a qualquer evento atual.
O Centro para Controle de Doença e Prevenção (CDC) é reconhecido como uma maior importante agência federal de proteção à saúde e segurança das pessoas - em casa e no estrangeiro, provendo informação confiável para se aumentar decisões relativas à saúde, e promovendo saúde por meio de sólidas parcerias. O CDC é uma instituição catalisadora no desenvolvimento e aplicação de métodos de prevenção e controle de doenças, de saúde ambiental, e de promoção atividades de educação em saúde, tendo em vista a melhora a saúde dos americanos.
O CDC, situado em Atlanta, Geórgia, EUA, é uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Sociais. A dra. Julie Louise Gerberding é a sua atual presidente.
Fonte original deste documento:
http://aepo-xdv-www.epo.cdc.gov/wonder/prevguid/m0031539/M0031539.asp
Vertido para o português por Abel Sidney (caso alguém encontre alguma impropriedade na tradução realizada, favor nos comunicar!)
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