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Eutanásia na Holanda

A prova cabal do desastre causado pela aceitação da prática da eutanásia é o caso da Holanda. Apesar de só em 2002 ter entrado em vigor a lei que legaliza a sua aplicação, a eutanásia é já tolerada há muito tempo. Reproduzimos este artigo do boletim informativo "Bioética" (nº 2, Jan. de 1997), a propósito de um artigo publicado na altura pelo British Medical Journal.

O artigo publicado no British Medical Journal (I) centra a sua atenção nos médicos de cabeceira e é bastante amplo: entrevista 405 médicos, analisa 5.197 certidões de óbito e pediu a médicos que respondessem a questionários acerca de como acompanharam os últimos momentos de 2.257 doentes. Este estudo é pertinente, já que revela que 42% dos doentes holandeses morrem em casa, atendidos pelo seu médico de cabeceira. Será este tipo de atenção um sinal de respeito para com a vida humana?

Os resultados afirmam, por um lado, que os médicos de cabeceira tomam menos decisões em relação ao termo da vida - somente em 34% dos casos dos seus doentes terminais - contra os 40% dos seus colegas de hospital e os 56% dos médicos que trabalham em lares de 3ª idade.

O mais alarmante de tudo isto é que os médicos de cabeceira discutiram muito menos, comparativamente com os seus colegas de hospital, a sua decisão com os doentes: em mais de metade dos casos, atuaram sem falar com o doente. Os médicos, na grande maioria, justificaram que o faziam para bem do doente. Pensavam que falar com ele de um tema tão difícil lhes traria mais angústias e preocupações do que benefícios.

A conclusão que se pode extrair deste estudo é evidente: os médicos de cabeceira, cujo trabalho exige uma constante atenção personalizada e sacrificada, tão necessária ao alívio e consolo dos doentes em fase terminal, são os que caem mais frequentemente na tentação de pôr termo à vida dos doentes. No entanto, como era de esperar, vestem a sua decisão de cuidado paternal aos doentes.

Também anos antes, num processo em que se acusou a um médico de praticar a eutanásia, ilegal na altura, os juizes afirmaram que, em questões sobre a vida e a morte, os médicos são os que mais sabem e que por essa razão não parecia pertinente processar judicialmente um médico por fazer morrer um doente. Deste modo, a justiça deixava, de fato, o campo livre para os médicos poderem fazer o que quisessem com a vida dos seus doentes.

No final do ano de 1990, provavelmente pensando na legalização que posteriormente se realizou, o fiscal geral J. Remmelink, ordenou a realização de um questionário acerca da prática da eutanásia na Holanda.

O questionário Remmelink é muito completo. No entanto, o que o trouxe à luz pública e que teve mais ressonância foi o seu resumo: limitou-se a considerar os casos em que tinha havido eutanásia, definida como "provocar a morte do doente a seu pedido". Segundo este critério, o total de eutanásias provocadas na Holanda eram de uns 2.300 por ano, número relativamente pequeno, se se considera que em 1990 faleceram 30.000 pessoas, em todo o país. No entanto, analistas independentes deram a conhecer outras interpretações desse questionário (II). Efetivamente, levavam-se anualmente a cabo 2.300 eutanásias a pedido dos doentes. Mas, ainda que não figurassem no resumo do questionário, o texto original indicava que se realizavam muitas outras formas de eutanásia, se se aceitasse como eutanásia a definição da Organização Médica Mundial: "acção do médico que provoca deliberadamente a morte do paciente".

Concretamente, o questionário informava que no ano estudado tinham havido 400 casos de cooperação ao suicídio; 1.000 de eutanásia sem que existisse qualquer tipo de petição do doente; 5.800 em que se retirou ou não se iniciou um tratamento útil a pedido do doente e em consequência morreram 4.756 doentes. Dos 25.000 casos em que se retirou ou omitiu um tratamento sem que tivesse existido um pedido do doente, 8.750 realizaram-se com a intenção de terminar a vida do doente. 22.500 doentes morreram com uma overdose de morfina; em 8.100 destes casos, a dose foi administrada com a intenção de acelerar a morte.

Se se somarem todos estes casos de eutanásia, obtêm-se 25.306 num ano, como se pode ver através da observação do seguinte quadro:

 
Número de ações
Intenção de matar/morte
Eutanásia voluntária 2.300 2.300
Cooperação com o suicídio 400 400
Eutanásia involuntária 1.000 1.000
Retirada de tratamento a pedido do doente 5.800 4.756
Retirada de tratamento sem petição do doente 25.000 8.750
Overdose de morfina 22.500 8.100
Total 57.000 25.306

O que mais assusta neste inquérito é a frequência com que a eutanásia se pratica sem o conhecimento do doente. Segundo a interpretação fidedigna dos dados que acabamos de apresentar, e que se separa substancialmente do resumo oficial, naquele ano praticaram-se 14.691 eutanásias sem o conhecimento do doente (11.3% das mortes ocorridas no país).

A estes casos haveria que somar, como indica o próprio estudo, os casos de eutanásia involuntária de recém-nascidos com malformações, de crianças com enfermidades graves e doentes psiquiátricos.

Paradoxalmente, o resumo oficial do inquérito afirma que os 1.000 casos de eutanásia involuntária que se reconhecem são, na verdade, "atos de caridade" para com os doentes muito necessitados.

Estes dados acerca da despreocupação real dos médicos pelos seus doentes são confirmados por outros estudos. A Comissão Remmelink afirma que se rejeitaram 6.700 pedidos de eutanásia e considera que este número é um indicador da seriedade com que os médicos abordam a questão.

No entanto, o mesmo estudo põe em evidência que 51% dos médicos consideram a eutanásia involuntária como uma opção digna de se ter em conta, e que 27% a haviam praticado alguma vez (um estudo de 1989 assinala, no entanto, que a haviam praticado 41,1% dos médicos entrevistados), Contra a interpretação oficial do estudo, fica claro que a decisão de matar o paciente se está a converter em algo bastante trivial.

O mesmo apontam outros números: 11% das eutanásias involuntárias realizaram-se em doentes parcialmente conscientes; 8% dos doentes submetidos a eutanásia involuntária eram anciãos dementes. Em outros 8% dos casos, os médicos praticavam a eutanásia involuntária ainda que pensassem existir outras possibilidade de acção. As razões apresentadas eram, principalmente, a "baixa qualidade de vida", a "ausência de perspectivas de melhoria", e o "excessivo peso para a família". Não é necessário dizer que as directrizes do Colégio dos Médicos acerca da eutanásia eram violadas por quase todas essas condutas.

A conclusão que estes dados permitem extrair parece ser clara: uma vez que a prática da eutanásia se encontra mais ou menos aceite pela classe médica, a preocupação pelos doentes baixou de uma forma alarmante, de modo que se considera cada vez com mais facilidade que terminar com a vida do doente, inclusivamente sem o consultar, pode ser a opção mais conveniente.

(I) L. Pijnenhorg, J.M. Delden, J.W.P.J. Kardaun, J.J. Glerum, P.J. Maas, "Nationwide study of decisions concerning the end of life in general practice in the Netherlands", British Medical Journal 1994; 309:1.209-12

(II) R. Fenigsen, "The Report of the Dutch Governmental Committee on Euthanasia", Issues in Law and Medicine 1991; 7:339-44

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